Brasília, 12 de Maio de 2014.
Nós, da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), temos acompanhado indignados, nos últimos anos, as investidas maciças do projeto neoliberal que promove sorrateiramente a diminuição do Estado brasileiro com a privatização de diversos setores da sociedade, de modo especial o da saúde. O ostensivo financiamento público das comunidades terapêuticas (CTs) e sua inserção na Política sobre Drogas é um exemplo disso, e tem se apresentado como suposta solução para a questão do uso e abuso de drogas no país em detrimento do necessário e urgente investimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Por que, diante de uma Política Nacional de Saúde Mental, a qual prevê o cuidado interdisciplinar e comunitário, que propõe a reabilitação psicossocial a partir de uma clínica ampliada com ênfase na garantia de direitos e na integração das famílias ao processo terapêutico, os governos têm recorrido sistematicamente a esse tipo de oferta?
As CTs atuam em contrário às disposições da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), assumem uma perspectiva pautada em viés religioso, de desrespeito à diversidade e ao reconhecimento da cidadania em suas dimensões mais fundamentais, a exemplo das questões relacionadas à orientação sexual e identidades de gênero, bem como à liberdade religiosa da pluralidade da população atendida.
No âmbito do que se intitula como “tratamento” nas CTs, condiciona-se às pessoas internadas nessas comunidades a participação em práticas religiosas como suposto método terapêutico; opera-se no paradigma punitivo e abstencionista do cuidado às pessoas em situação de uso e abuso de álcool e outras drogas; e caracteriza-se claramente pela sua atuação de internações e práticas asilares de longa permanência, muitas delas com graves violações de direitos, já amplamente denunciadas e documentadas. Todos esses elementos vão na contramão da Política de Redução de Danos e de acolhimento com dignidade e sem segregação à população atendida.
A RENILA se posiciona contra o financiamento público das comunidades terapêuticas e sua inclusão na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme disposto na IV Conferência Nacional de Saúde Mental e na XIV Conferência Nacional de Saúde, assim como a realização de qualquer convênio com demais órgãos públicos, por entender que o Estado já dispõe de dispositivos e de estratégias regulamentadas e devidamente previstas para a abordagem e o cuidado a essas pessoas, carecendo apenas da vontade política e do comprometimento com a ampliação e efetiva implementação desses serviços e ações.
O Estado brasileiro, em seus três níveis de governo, tem estabelecido um vínculo pernicioso com agentes corporativos privados na disputa por recursos públicos às políticas sobre drogas, em vez de efetivar uma política de garantia de direitos pública, universal, integral, laica e promotora da cidadania, desresponsabilizando o Estado, na via do projeto neoliberal e desmantelador das conquistas sociais.
A política sobre drogas não pode se pautar pelo discurso epidemicista do crack, pela guerra às drogas, para esconder os interesses econômicos, da especulação imobiliária e da política de grandes eventos. Trata-se de mais um projeto higienista de marginalização da pobreza. O Estado não pode delegar a iniciativas corporativas e privatistas o atendimento de demandas sociais por métodos segregatórios, assistencialistas e tuteladores, que denegam a cidadania e o potencial de participação comunitária dessas pessoas na vida social, objetivos previstos na formulação da Rede de Atenção Psicossocial e nas conquistas políticas da Luta Antimanicomial no País.
Portanto, reivindicamos ao CONAD uma ampla discussão acerca de sua composição assim como do GT em questão, pois não garantem a participação da sociedade civil organizada, com distorções graves, como por exemplo, a presença de CT, na verdade, prestadores de serviços, como representantes desse segmento. O CONAD deve se adequar ao formato dos demais conselhos de direitos garantindo a efetiva participação de trabalhadores, usuários, organizações e entidades antimanicomiais, ligadas aos direitos humanos, em caráter de paridade, como modo de propiciar a construção realmente democrática que esta política demanda.
Finalmente, urge, por parte desse conselho, a priorização de pautas que incluam o monitoramento e fiscalização do quantitativo de verbas públicas (municipal, estadual e federal) recebido pelas CT e sua publicização, a realização de vistorias regulares e qualificadas e a apuração das inúmeras denúncias de violações de direitos que ocorrem nas CT.
POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS!
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
1. AMEA – Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares dos Serviços de Saúde Mental (BA)
2. Associação Chico Inácio (AM)
3. Associação de Usuários e Familiares de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas – ASSUMA (AL)
4. Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de João Monlevade (MG)
5. Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (MG)
6. Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental do Estado de Goiás (GO)
7. Associação Franco Rotelli (SP)
8. Associação Loucos por Você – Ipatinga (MG)
9. Ecosol – Rede de Saúde Mental e Economia Solidária (SP)
10. Flamas – Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (SP)
11. Fórum Cearense da Luta Antimanicomial (CE)
12. Fórum Gaúcho de Saúde Mental (RS)
13. Fórum Goiano de Saúde Mental (GO)
14. Fórum Mineiro de Saúde Mental (MG)
15. Grupo de Trabalho Eduardo Araújo (BA)
16. Movimento Pró-Saúde Mental (DF)
17. Núcleo Antimanicomial do Pará (PA)
18. Núcleo da Luta Antimanicomial da Paraíba (PB)
19. Núcleo de Estudos Pela Superação dos Manicômios (BA)
20. Núcleo de Luta Antimanicomial Nise da Silveira/Joinville (SC)
21. Núcleo Estadual de Saúde Mental (AL)
22. Núcleo Libertando Subjetividades (PE)
23. Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária (MG)
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila)
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